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sábado, 22 de março de 2014

Senzala Anos 2000




Senzala. Lugar que servia de "moradia" para os negros escravizados. Provavelmente um lugar cheio e apertado onde eles eram mantidos presos. Mas o significado dessa palavra vai além de definições de dicionário. Vai além da construção precária, do depósito. Senzala é o lugar onde, desde sempre, tentam nos fazer acreditar que é nosso, por direito deles. É o lugar de onde, tentam nos fazer acreditar, nunca deveríamos ter saído, nunca devemos sair. Ainda não saímos!

As negras, escravizadas, limpavam a casa, lavavam a roupa, faziam a comida, amamentavam e criavam os filhos das brancas enquanto seus próprios filhos não podiam desfrutar de sua atenção e cuidados. O regime de escravidão acabou oficialmente há 126 anos. Eu tenho 22 e cresci numa família onde as mulheres faziam e fazem exatamente os mesmos trabalhos. Não são obrigadas a fazê-los, mas também não tem outras opções.

Negros, escravizados, trabalhavam na lavoura, com a enxada em mãos, sob sol e sob chuva, nas construções, nos trabalhos braçais, na força bruta. E o que eu vejo hoje e que qualquer pessoa pode enxergar se quiser, são homens negros carregando cimento nas costas, com a mesma enxada em mãos, no chão de fábrica, com o uniforme sujo de graxa e tinta, com o uniforme laranja da Comlurb. A senzala está aí, nos pedreiros, porteiros, "peões" de fábrica, garis.

Sobre a representação de negros na televisão, nós estamos lá, pra quem quiser ver. A empregada da mansão, a babá, o motorista da família, o faxineiro do hospital, o assaltante, o estuprador, sem contar as novelas de escravos né. Nos programas de culinária, os apresentadores são brancos, os chefs também, mas nós sabemos quem é que pica a cebola e lava os pratos, elas estão lá, no cantinho, quase no final do estúdio, com seus uniformes brancos. Falam de moda, de estampas étnicas e o estilista é branco, a modelo é branca, afinal, África está em alta. São eles, os mesmos que ensinam amarrações de turbantes em cabelos lisos. E nesse momento alguém vai questionar, "mas, e o carnaval?". Claro, estamos na ala de passistas, das baianas, nas baterias, alas da comunidade, então não tem problema a rainha da bateria ser ex-reality show.

Num pub local, a noite era de Jazz, a música de Billie Holiday, Louis Armstrong e Ella Fitzgerald, nossa música. Nós, é claro, estávamos lá. Na portaria fazendo a segurança, no balcão servindo a cerveja gelada e lá, no banheiro, limpando o chão. Mas isso não é exclusividade do Jazz, tem a noite do Soul, e a noite do Samba também.

Estamos em 2014 e meus irmãos são amarrados em postes como se ainda fosse século XIX, estamos em 2014 e todo camburão tem muito de navio negreiro. Os senhores de engenho estão aí em cada esquina espalhando o ódio racial, tentando fechar todas as portas que suamos e sangramos muito para abrir. Tentando acorrentar nossos pés para que nunca caminhemos lado a lado. Estão aí o tempo todo tentando nos fazer acreditar que quem nasceu pra Tia Anastácia nunca chegará a Dona Benta. E nós, por escolha dos outros, ainda não saímos da senzala.

domingo, 2 de março de 2014

Pobre Poesia

Pobres das palavras
Que não traduzem
Sentimentos, não produzem

Pobres dos sorrisos
Que enfeitam os rostos, em disfarce
Em farsa, as faces

Pobres dos olhos
Que não veem além
Das matizes da lente, na fronte

Pobre do corpo
Que não acolhe a alma, só
E volta à terra, ao pó

Pobres dos mortais
Querem ser deuses por amar
E os deuses querendo morrer de amor