De: IVAN MARTINS
Há
conversas que nunca terminam e dúvidas que jamais desaparecem. Sobre a
melhor maneira de iniciar uma relação, por exemplo. Muita gente acredita
que aquilo que se ganha com facilidade se perde do mesmo jeito. Acham
que as relações que exigem esforço têm mais valor. Mulheres difíceis de
conquistar, homens difíceis de manter, namoros que dão trabalho - esses
tendem a ser mais importantes e duradouros. Mas será verdade?
Eu suspeito que não.
Acho que somos ensinados a subestimar quem gosta de nós. Se a
garota na mesa ao lado sorri em nossa direção, começamos a reparar nos
seus defeitos. Se a pessoa fosse realmente bacana não me daria bola
assim de graça. Se ela não resiste aos meus escassos encantos é uma
mulher fácil – e mulheres fáceis não valem nada, certo? O nome disso,
damas e cavalheiros, é baixa auto-estima: não entro em clube que me
queira como sócio. É engraçado, mas dói.
Também
somos educados para o sacrifício. Aquilo que ganhamos sem suor não tem
valor. Somos uma sociedade de lutadores, não somos? Temos de nos
esforçar para obter recompensas. As coisas que realmente valem a pena
são obtidas à duras penas. E por aí vai. De tanto ouvir essa conversa -
na escola, no esporte, no escritório - levamos seus pressupostos para a
vida afetiva. Acabamos acreditando que também no terreno do afeto
deveríamos ser capazes de lutar, sofrer e triunfar. Precisamos de
conquistas épicas para contar no jantar de domingo. Se for fácil demais,
não vale. Amor assim não tem graça, diz um amigo meu. Será mesmo?
Minha experiência sugere o contrário.
Desde a adolescência, e no transcorrer da vida adulta, todas as
mulheres importantes me caíram do céu. A moça que vomitou no meu pé na
festa do centro acadêmico e me levou para dormir na sala da casa dela.
Casamos. A garota de olhos tristes que eu conheci na porta do cinema e
meia hora depois tomava o meu sorvete. Quase casamos? A mulher cujo nome
eu perguntei na lanchonete do trabalho e 24 horas depois me chamou para
uma festa. A menina do interior que resolveu dançar comigo num impulso.
Nenhuma delas foi seduzida, conquistada ou convencida a gostar de mim.
Elas tomaram a iniciativa – ou retribuíram sem hesitar a atenção que eu
dei a elas.
Toda vez que eu insisti com quem não
estava interessada deu errado. Toda vez que tentei escalar o muro da
indiferença foi inútil. Ou descobri que do outro lado não havia nada. Na
minha experiência, amor é um território em que coragem e a iniciativa
são premiadas, mas empenho, persistência e determinação nunca trouxeram
resultado.
Relato essa experiência para discutir
uma questão que me parece da maior gravidade: o quanto deveríamos
insistir em obter a atenção de uma pessoa que não parece retribuir os
nossos sentimos?
Quem está emocionalmente
disponível lida com esse tipo de dilema o tempo todo. Você conhece a
figura, acha bacana, liga uns dias depois e ela não atende e nem liga de
volta. O que fazer? Você sai com a pessoa, acha ela o máximo, tenta um
segundo encontro e ela reluta em marcar a data. Como proceder a partir
daí? Você começou uma relação, está se apaixonando, mas a outra parte,
um belo dia, deixa de retornar seus telefonemas. O que se faz? Você está
apaixonado ou apaixonada, levou um pé na bunda e mal consegue respirar.
É o caso de tentar reconquistar ou seria melhor proteger-se e ajudar o
sentimento a morrer?
Todas essas situações conduzem à mesma escolha: insistir ou desistir?
Quem acha que o amor é um campo de batalha geralmente opta pela
insistência. Quem acha que ele é uma ocorrência espontânea tende a
escolher a desistência (embora isso pareça feio). Na prática, como não
temos 100% de certeza sobre as coisas, e como não nos controlamos 100%,
oscilamos entre uma e outra posição, ao sabor das circunstâncias e do
tamanho do envolvimento. Mas a maioria de nós, mesmo de forma
inconsciente, traça um limite para o quanto se empenhar (ou rastejar)
num caso desses. Quem não tem limites sofre além da conta – e
frequentemente faz papel de bobo, com resultados pífios.
Uma das minhas teorias favoritas é que mesmo que a pessoa ceda a
um assédio longo e custoso a relação estará envenenada. Pela simples
razão de que ninguém é esnobado por muito tempo ou de forma muito
ostensiva sem desenvolver ressentimentos. E ressentimentos não se
dissipam. Eles ficam e cobram um preço. Cedo ou tarde a conta chega. E o
tipo de personalidade que insiste demais numa conquista pode estar
movida por motivos errados: o interesse é pela pessoa ou pela
dificuldade? É um caso de amor ou de amor próprio?
Ser amado de graça, por outro lado, não tem preço. É a homenagem mais
bacana que uma pessoa pode nos fazer. Você está ali, na vida (no
trabalho, na balada, nas férias, no churrasco, na casa do amigo) e a
pessoa simplesmente gosta de você. Ou você se aproxima com uma conversa
fiada e ela recebe esse gesto de braços abertos. O que pode ser melhor
do que isso? O que pode ser melhor do que ser gostado por aquilo que se é
– sem truques, sem jogos de sedução, sem premeditações? Neste momento
eu não consigo me lembrar de nada.
Texto retirado de - http://revistaepoca.globo.com/Revista/Epoca/0,,EMI244764-15230,00.html